5 perguntas para Fernanda Pacheco
sobre Livros e Música
Fernanda Pacheco escreve textos e poemas, é professora e mãe do Vicente (em homenagem ao Van Gogh).
A seguir ela responde 5 perguntas sobre (seus) livros e sobre música:
1 — Como foi editar e publicar o seu primeiro livro, “A Culpa é do Chet Baker”?
A edição e publicação do meu primeiro livro foi muito especial. Eu tinha aquele material todo de anos parado e queria muito pôr ele pra circular por aí… Conheci o Eduardo Lacerda (Editor da Editora Patuá) através de alguns amigos que já haviam publicado com ele por volta de 2010/2011 e de primeira ele foi muito receptivo e acolhedor.
Eu tinha várias inseguranças com o que escrevia e ele foi recebendo isso e me ajudando, fazendo comentários, lendo com carinho, querendo saber o contexto todo.
O resultado final da edição é lindo de morrer… O Edu fez tudo com muito capricho e dedicação. Isso de certa forma me motivou a continuar nessa história de publicar o que escrevia. Foi me ajudando a perder o medo.
2 — De que maneiras a música inspirou e inspira a sua escrita e a sua vida?
A música sempre permeou toda minha vida desde que me entendo por gente. Minhas memórias mais profundas têm música… Lembro de sentar na calçada de casa com meu avô e escutar Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco… de achar uma fita K7 do Raul Seixas no carro velho do meu pai, de sentar na sala com minha mãe e observá-la ouvindo Queen. Nunca esqueço de uma noite em que ela me perguntou “quantas pessoas você acha que estão cantando essa música?”, respondi inocentemente: “parece uma ópera” e então ela mostrou a capa do disco com aqueles 4 sujeitos esquisitos que cantavam “Bohemian Rhapsody”. Dali em diante pirei e não parei de ouvir música, de pesquisar, de querer conhecer mais e mais. De querer experimentar as sensações que ela pode causar no corpo, de me refugiar nelas quando as coisas pesavam.
O formato das canções foi me inspirando a escrever o que se tornaria poesia.
Nessas gostava muito de ler biografias de artistas também… Por volta dos 11 anos minha mãe me deu a do Kurt Cobain “Mais pesado que o céu”e fiquei fascinada com a coisa dos cadernos, dos registros, do formato das letras. Foi como receber uma iluminação, uma saída pra tudo que eu sentia e queria expressar de alguma forma. Essa escrita “confessional”, desesperada, das entranhas que a gente percebe nas canções eu vi que podia rolar na poesia também. Foi um período em que eu ouvia muito Cat Power, depois conheci a Patti Smith com sua devoção por Rimbaud, os beats…
Em casa dava pra assistir a MTV e eu ficava plantada em frente à tv vendo os clipes de madrugada e viajando. Esse contexto de entender as canções, o momento em que foram produzidas, as sensações que me causam me influenciou mais do que as referências de escritores, poetas, etc. Foi o que me deu o start.
3 — Quais livros sobre música, bandas e músicos, você leu e achou joia?
Li essa biografia do Kurt Cobain, “Mais pesado que o Céu” que me marcou muito. Depois fui caçando outras… Recomendo a do Dylan “No direction Home”, “Um punhado de Gitanes” do Serge Gainsbourg, “Só Garotos” da Patti Smith, “No fundo de um sonho” do Chet Baker, a do Ian Curtis. Acho que essas me marcaram mais.
Gosto de ler livros de poesia escritos por músicos também. Os do Arnaldo Antunes são lindos. Existe uma edição baratinha com a antologia poética do Jacques Brel que é igualmente bonita. E Sou doida pra ler a biografia da Aracy de Almeida!
4 — Como foi o processo de escrita do seu segundo livro?
O segundo livro foi maluco, porque antes de escrevê-lo eu quis conhecer mais sobre a poesia. Eu tinha uma ligação mais forte com a música e com os livros de romance. Quando eu descobri Rimbaud e a prosa poética, vi que tinha muita coisa pra eu descobrir, experimentar, sentir. Foram anos indo pra biblioteca municipal, devorando todos os poetas possíveis, depois indo atrás de referências, me abrindo pra esse mundo novo, me encantando pelo cinema (coisa que eu achava um saco quando publiquei o 1º), mergulhando nos livros do Samuel Beckett e nos trabalhos do John Cage, na vida e obra da Pagu, conhecendo artistas generosos que ao perceberem essa ânsia toda me acolhiam e me ensinavam.
O próprio contexto da minha vida foi ganhando um tom mais poético… Aquela situação de trabalhar desde a adolescência pra ajudar em casa, de ter que estudar que nem louca pra não perder a bolsa na faculdade, de fazer horas a mais sempre, de pegar trem lotado e ônibus lotados e ver gente numa situação bem pior. O início da minha profissão como professora de escola pública em contato com tantos problemas sociais também pesou bastante…
Nessa mesma época também engravidei e sai de casa pra tentar organizar minha vida. Tudo em um corpo de 21 anos. Foi um período em que vivi experiências muito dilacerantes.
Esse processo de conscientização na base dos tapas na cara foi se encaixando e dando forma pra linguagem que eu queria expressar, sabe? Mas em diálogo constante com os sentimentos humanos, desde amor até a raiva, beirando a loucura. No segundo livro tentei ir ao limite disso tudo, tentei expressar meu silêncio em meio ao caos, tentei dar voz pro Eu que mora na minha cabeça. O segundo livro se chama “Ciranda Lado B”porque é isso… um pequeno b-side da tragicomédia humana baseado em fatos reais.
5 — Como é, para você, escrever em cada um desses ‘meios’: no papel, no computador e no celular?
São as raras as vezes que escrevo algo no bloco de notas do celular. Direto no computador é quase impossível. Gosto e tenho necessidade do gesto da escrita… de escrever no papel, de deixar a mão dar forma pras palavras. Tenho vários cadernos onde escrevo, inclusive, quando não quero escrever.
Quando me vem a agonia de querer transpor a coisa que tô sentindo, começo a vomitar palavras sem parar no papel…
É um exercício quase de exorcismo (risos). No papel escrevo pra tudo: seja uma aula, uma lista de mercado, um poema, uma anotação qualquer, um sonho (que geralmente perco porque até chegar no papel já esqueci). No papel parece que consigo transferir o que penso com mais alicerces (formato da letra, tamanho, cor, espaço), mas num gesto diretamente conectado entre as vozes internas e a mão onde desemboca tudo.
Fernanda Pacheco é autora de “A Culpa é do Chet Baker”, “Ciranda Lado B” e “Jardim dos Desastres”.
Além de escrever, ela é professora de História.